Por G. M. Rocha
No início do mês de abril deste ano de
2015, encontrei no portão de minha casa um panfleto da Igreja Internacional da
Graça que trazia como título, “OFERTA ALÇADA AO SENHOR”. Abaixo do título principal,
havia um quadro com uma relação de sete motivos que o indivíduo teria para
contribuir financeiramente com a igreja e trazia em letras maiúsculas com
destaque para o número 7, o seguinte subtítulo “AS 7 LEIS DA SEMEADURA”, que na verdade buscava elencar
7 vantagens para o contribuinte, todas com afirmações bíblicas, numa clara
tentativa de dar legitimidade a essas “leis”. Ao lado, um texto buscava resumir
a questão na seguinte frase: “O Dízimo proporciona proteção. A Oferta Alçada
igual ou superior ao Dízimo multiplica o que você tem e todo o seu patrimônio
já cresce protegido”.
Para um atento leitor das Escrituras
Sagradas, que ouve ou lê um desses discursos apelativos dos pregadores da
Teologia da Prosperidade carregado de um apelo ao amor-próprio dos seus
ouvintes, não é difícil identificar como esses “bondosos senhores” estão
levando até às últimas consequências a sua análise sobre as verdadeiras
motivações das ações dos indivíduos e de como conseguir com maior facilidade
que se interessem por alguma causa. O que acontece é que apesar de usarem
sempre a Bíblia na tentativa de sustentar e legitimar o discurso que fazem, na
verdade, o que fundamenta suas afirmações são os princípios que estão na base
do Liberalismo e Neoliberalismo econômico, conforme se pode observar na extensa
obra de Adam Smith, A Riqueza das Nações.
Esse autor do século XVIII, ao analisar
a sociedade europeia na fase inicial da Revolução Industrial, observa que
existem pelo menos três formas de se conseguir que alguém faça aquilo que
queremos: ou através da bajulação, como fazem os cães de estimação quando
querem que seus senhores lhes repartam o jantar, ou esperando pela benevolência
dos indivíduos, ou apelando para o seu amor-próprio. Para o autor, no entanto,
esta última é a maneira mais segura de conseguirmos o que queremos,
principalmente quando se trata de uma sociedade civilizada. No volume I do seu
livro ele coloca a questão nos seguintes termos:
- Numa sociedade civilizada, ele (O homem) necessita constantemente da ajuda e cooperação de uma multidão de gente, e sua vida inteira mal é suficiente para conquistar a amizade de umas poucas pessoas. Em quase todas as outras espécies animais, cada indivíduo, ao atingir a maturidade, torna-se inteiramente independente e, em sua situação normal, não precisa de ajuda de qualquer outra criatura viva. Mas o homem quase sempre precisa da ajuda de seus semelhantes, e seria vão esperar obtê-la somente da benevolência. Terá maiores chances de conseguir o que quer se puder interessar o amor-próprio deles a seu favor e convence-los de que terão vantagem em fazer o que deles pretende. Todos os que oferecem a outro qualquer espécie de trato propõe-se fazer isso. Dê-me aquilo que eu desejo, e terás isto que desejas, é o significado de todas as propostas desse gênero e é dessa maneira que nós obtemos uns dos outros a grande maioria dos favores e serviços de que necessitamos. Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses. Apelamos não à humanidade, mas ao amor-próprio, e nunca falamos de nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter (Volume I, p. 20).
Percebam que o autor não afirma que
esta seja a única maneira de se conseguir as coisas, mas aquela com maior
garantia de sucesso, e, nesse caso, não seria muito afirmar que esta ideia está
no centro de todas as formas de organizações do atual sistema capitalista. O
nosso modelo econômico explorou até a últimas consequências essa forma de lidar
com as pessoas no mundo globalizado. Todas as empresas, todas as campanhas de
marketing, todas as atividades econômicas e até as relações pessoais se
orientam pela necessidade diária de um apelo ao amor-próprio de cada indivíduo,
sob o risco de ficar com suas mercadorias encalhadas nas prateleiras, ou se
romper com determinados laços sociais, caso se espere que as pessoas comprem ou
ajam motivadas apenas por suas necessidades reais, ou por um ato de
benevolência para com os vendedores ou as pessoas ao seu redor.
Desta forma é preciso não falar dos perigos dos juros absurdos embutidos nas
prestações, mas da facilidade da compra parcelada, nunca se fala do perigo do endividamento,
mas da felicidade de se assistir um programa numa TV de 52 polegadas, ou
dirigir um carro do ano, nunca se mostra as misérias causadas pelo uso das
bebidas alcoólicas, mas a felicidade de se tomar uma cerveja à beira de uma
piscina rodeada de mulheres bonitas, pois é preciso mover o indivíduo a partir
do que ele tem de bom apenas para si mesmo, o amor-próprio, sem se importar com
o interesse do outro, do próximo.
Como se percebe, esse tipo de abordagem é completamente oposto ao que ensina o Novo Testamento, onde tanto Cristo como os apóstolos insistem na necessidade da ação desinteressada da parte dos cristãos. Para eles a força motora das pessoas que creem em Deus deve ser não o amor-próprio, mas o “amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo”. O que o ensino das Escrituras nos apontam, é que a humanidade estará sempre em risco, todas as vezes que o amor a si mesmo esteja acima do amor a Deus e ao próximo.
Dessa forma, o que se espera de todo cristão não é uma ação motivada pela busca
do seu próprio interesse, mas pela benevolência desinteressada. Porém, aqui
estão as grandes questões que se impõem como grandes desafios à grande parte
dos líderes evangélicos no Brasil: como conseguir realizar obras grandiosas,
construir templos faraônicos (ou salomônicos, como queiram), manter o padrão de
vida desejado por pregadores e pastores que se dizem filhos do rei e príncipes
de Deus, esperando apenas pelas contribuições provindas do altruísmo e da
generosidade dos pragmáticos cristãos pós-modernos? Para aqueles ministros que
aceitam viver modestamente e não tem sonhos (ou fantasias) de se construir
grandes e caras catedrais, de viver uma vida luxuosa, de possuir um jatinho
particular, exibir roupas de grifes ou frequentar restaurantes requintados,
talvez seja possível se manter pregando o Evangelho contando apenas com a
generosidade de alguns poucos cristãos, ou às próprias custas.
No entanto, os novos tempos se mostram um tanto nebulosos para aqueles que
querem realizar coisas fantásticas, caso não apelem para o egoísmo e o
amor-próprio dos frequentadores de igrejas. Desta forma, os pregadores são
chamados a decidir entre as observações de Adam Smith e o ensino de Cristo,
entre o contentamento e a ganancia, entre a Bíblia e A Riqueza das Nações.
Pelo visto, grande parte dos líderes de
igrejas não teve dúvidas e optou por um discurso mais pragmático, com garantias
mais imediata de sucesso, pois, afinal de contas, boa parte das pessoas não
está mais em busca do que é certo, mas do que dá certo, não está em busca de
uma verdade, mas de obterem a qualquer custo o que desejam ou o que foram
programadas para desejar.
Diante disto, não há nada mais incomodo
para quem tenha um pouco de noção do que a Sagrada Escritura nos ensina sobre
dízimos e ofertas, do que ver a forma abusiva e opressora com que muitas
instituições ditas evangélicas abordam o assunto em suas reuniões diárias. O
que a maioria das pessoas não se dá conta é que essa abordagem nada tem a ver
com o ensino ortodoxo da fé cristã, mas com um modelo introduzido no meio
cristão desde a segunda metade do século passado, a partir do movimento da fé
(Hanegraaff, 1996) surgido do movimento pentecostal nos EUA e difundido no
Brasil a partir de 1980 pelo chamado Neopentecostalismo (Mariano,1999), uma
abordagem sobre dinheiro que foge completamente do ensino neotestamentario ao
mesmo tempo em que se aproxima da logica imposta pelo neoliberalismo econômico,
com fortes fundamentos nas observações de Adam Smith.
É preciso que se diga, no entanto, que
quer seja entre católicos ou protestantes o dízimo sempre foi uma forma de se
financiar os projetos dessas instituições. Apesar de os equívocos sobre a
interpretação do livro de Malaquias fazer parte do ensino de quase todas as
denominações, mesmo as mais conservadoras, foi a partir de Oral Roberts e
Kenneth Hagin dois pregadores norte-americanos, que segundo Ricardo Mariano
(1999) teve início um apelo sistemático para que as pessoas contribuíssem com
os projetos da igreja, sob a promessa de se alcançar a prosperidade
financeira.
Dessa forma, não é mais da generosidade
ou altruísmo dos fiéis que se espera as contribuições, mas do apelo ao
amor-próprio dos cristãos como forma de se aumentar a arrecadação dos dízimos e
das generosas ofertas sob o argumento de que os contribuintes seriam os maiores
beneficiados nessas transações. Uma questão relacionada à pregação de Oral
Roberts, citada por Ricardo Mariano, diz respeito ao que motivou a nova
proposta de arrecadação, que foi o aumento das despesas com o tempo de TV,
motivada pela competição dos próprios televangelistas nos Estados Unidos na
década de 60 (Mariano, 1999, p. 152).
Esta questão está também muito presente
entre os pregadores da Teologia da Prosperidade no Brasil. O que está posto em
todas as instituições cujos pregadores apelam para essa nova teologia é
exatamente os projetos extravagantes que exigem grande quantidade de dinheiro
para se realizar, o desejo de sucesso pessoal da liderança, e a ostentação de
um estilo de vida que somente uma pequena parte de bem-aventurados conseguem
alcançar, no mundo globalizado. Perguntem, quantas pessoas podem comprar um
jatinho particular, possuir um helicóptero, morar em uma mansão, se hospedar em
hotéis 5 estrelas, fazer viagem anual à Israel, e não será difícil se constatar
que esses luxos estão reservados apenas a uns poucos “semideuses” que habitam o
nosso planeta.
Todavia, os pregadores da prosperidade,
estando em um grande centro, nas periferias das grandes cidades, ou no
interior, já começam o ministério almejando alcançar essas realizações
alardeadas pelos que conseguiram o auge da “bem-sucedida carreira”. Quem já
alcançou o sucesso serve de inspiração aos aspirantes que desde as maiores até
as mais pobres igrejas mergulham os crentes em campanhas ininterruptas,
espremendo-os o máximo que podem, para doarem até o último centavo.
Porém, esses bons discípulos da
sociedade neoliberal nunca revelam aos crentes suas verdadeiras intenções. O
que fazem da forma mais cínica possível é afirmarem que toda vez que esses
crentes seguirem obedientemente suas receitas prontas sobre as ofertas
estipuladas, se colocarão em posição de serem abençoados por Deus e conseguirão
realizar os seus sonhos mais impossíveis. Assim, enquanto o Valdemiro Santiago
convida os seus telespectadores a doarem os dízimos do salário que desejavam
ter no ano seguinte, afirmando que quem ganhasse mil reais e quisesse um
salário de três mil deveria entregar um dízimo antecipado de trezentos reais, O
Silas Malafaia estourava a garganta para convencer as pessoas que queriam
“conquistar” a casa própria a doar o valor de um aluguel para o seu programa
para alcançar o milagre, outro pregador um tanto mais grosseiro insistia que
quem comprasse um quilo de cimento “ungido” em sua campanha teria a garantia do
milagre da prosperidade ao incluir aquele produto na massa da construção do seu
ponto comercial, por exemplo.
Desta forma o que se pode perceber em
cada um desses discursos é o fato de todos esses indivíduos que se auto
intitulam de “homens de Deus” jamais apelarem ao altruísmo cristão, ou à
benevolência; jamais falam dos próprios benefícios que desejam obter nessas
transações ou dos seus desejos ocultos de desfrutarem de uma vida luxuosa as
custas dos desinformados; jamais mostram que os templos luxuosos que constroem
nada têm a ver com os ensinos de Cristo, mas com seus desejos pessoais de se
destacarem no competitivo mercado religioso como homens de grandes realizações;
jamais ensinam aos cristãos que essas campanhas têm apenas a função de
alimentar nas pessoas um desejo de alcançar um sucesso que jamais passarão
disso, desejo, e que quem lucra de verdade nessas transações são os pregadores,
que enquanto incentivam os crentes a esperarem um milagre, eles mesmos,
pragmáticos que são, não esperam milagre algum, antes se apossam sem nenhuma
misericórdia e com toda a voracidade dos dízimos e ofertas das pessoas mais
miseráveis possíveis e se enriquecem vendendo ilusões em nome de Deus.
Assim, por mais que tentem argumentar,
esses indivíduos não servem a Deus, mas servem ao sistema capitalista; não amam
as pessoas, mas amam ao dinheiro; não estão comprometidos com a pregação do
evangelho, mas com a sociedade de consumo; não estão preocupados em ajudar a
formar um mundo mais generoso e solidário, mas um mundo egoísta e
individualista, e dessa forma, esses pregadores não são discípulos de Cristo,
mas escravos das suas próprias ambições. E assim, enquanto o amor-próprio é
cultuado em suas reuniões, a Palavra de Deus é adulterada, o povo é enganado, a
verdade do evangelho é completamente desprezada, Deus é rejeitado e Mamom,
entronizado.
BIBLIOGRAFIA
HANEGRAAFF, Hank. Cristianismo
em Crise. Rio de Janeiro: CPAD, 1996.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais
– Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Edições
Loiola, 1999.
SMITH, Adam. A Riqueza das
Nações, Volume I. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Um comentário:
Excelente matéria gostei é preciso que este povo preguiçoso passem a buscar mais nas escrituras e em livros os verdadeiros sentidos dessa máfia existente dentro das religiões.
O que vejo é como aquele dito popular o jeitinho brasileiro de querer ter vantagens nas coisas.E vejamos muitas histórias dessa natureza...,O Espirito Santo de Deus que nos livre desse cancer.
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